Por Wilson Gimenez Junior.
O fato da legislação do Simples Nacional não agregar na sua sistemática o ICMS devido na substituição tributária, bem como o diferencial de alíquota do ICMS, vem impactando bastante nos negócios das micro e pequenas empresas optante por esse regime tributário. Além do recolhimento do tributo unificado previsto nas diversas tabelas que compõe esse regime, a Lei impõe a essas empresas o ônus adicional do ICMS-ST quando ocorre a circulação de mercadorias sujeitas a substituição tributária, e o diferencial de alíquotas do ICMS, por força de aquisições interestaduais.
A observância dessas regras trouxe aos optantes do Simples Nacional não só o custo tributário direto incidente sobre a comercialização dos seus produtos, mas também a árdua tarefa de precificar com exatidão os seus itens de estoque e emitir corretamente os respectivos documentos fiscais, sobretudo quando há operações interestaduais. Para ser assertivo na aplicação da tributação, o micro e pequeno empreendedor se vê num emaranhado de leis, decretos, portarias, protocolos, convênios e demais dispositivos legais pertinentes ao seu estado e demais unidades da federação onde se localizam seus clientes e fornecedores, o que o coloca numa verdadeira selva tributária no momento de realizar as suas operações.
Breve histórico da legislação Paulista
Avaliando a situação das MPE's ao longo do tempo verificamos que no estado de São Paulo as vantagens tributárias justas e constitucionais concedidas às Micro e Pequenas Empresas vêm diminuindo drasticamente. Quem não se lembra do "Simples Paulista", que concedia "isenção" de ICMS às Micro Empresas, e ainda mantinha um "redutor" no ICMS devido pelas Pequenas Empresas? Pois é, a partir de julho/2007 esses benefícios foram extintos, dando lugar ao Simples Nacional, onde o ICMS é exigido de todos os optantes com atividade mercantil independentemente do seu porte. Para piorar, a partir de 2008 o estado de São Paulo, que era tímido na aplicação da substituição tributária, intensificou de forma desenfreada a entrada de inúmeros produtos dentro dessa sistemática, e praticamente neutralizou qualquer vantagem tributária das MPE's relacionada ao ICMS, diminuindo a competitividade dessas empresas.
Algumas dificuldades trazidas pela substituição tributária do ICMS em São Paulo às empresas optantes pelo Simples Nacional
Sem a pretensão de adentrar nos complexos aspectos técnicos do instituto da Substituição Tributária do ICMS, ressaltamos que nessa sistemática temos a figura do substituto tributário, aquele que atua no início da cadeia de comercialização, que geralmente são as indústrias e importadores, incumbido de recolher o ICMS substituição relativo à todas as supostas operações subsequentes realizadas pelos substituídos tributários, compostos, em grande maioria, por varejistas, onde se encontram uma gama imensa de optantes pelo Simples Nacional. A essência da substituição tributária é concentrar o controle e o recolhimento do tributo no substituto tributário, sendo muitos não optantes pelo Simples Nacional, e que venderão os seus produtos a empresas enquadradas na condição de substituídos cujo valor do ICMS substituição está embutido nos respectivos preços. Assim, os varejistas optantes do Simples Nacional amargam esse tributo intrinsecamente no preço cobrado pelo seu fornecedor, e aqui reside um grande problema, pois, além da substituição tributária colocar as MPE's numa competição desigual com as médias e grandes empresas, geralmente o prazo que o pequeno varejista tem para pagar o seu fornecedor é menor que o prazo médio de recebimento das suas vendas, o que acaba causando um enorme descompasso no seu fluxo de caixa. Aliada a essa anormalidade há também uma grande injustiça, pois o fornecedor substituto tributário, que em média recebe num prazo de 28 dias do seu comprador varejista, acaba tendo 60 dias, fora o mês corrente, para pagar o ICMS substituição que foi embutido no preço do produto vendido e já recebido. Isso demonstra uma flagrante inversão de valores, pois as micros e pequenas empresas, na condição de substituído tributário que deveriam ter vantagens tributárias, acabam arcando com o ICMS substituição antes mesmo de terem recebido pela venda dos seus produtos, enquanto que o seu fornecedor, na condição de substituto tributário, que são muitas vezes empresas médias e grandes, detém os benefícios tempestivos determinados pela substituição tributária.
Substituição tributária do ICMS nas operações interestaduais
Muitas MPE's optantes pelo Simples Nacional adquirem mercadorias oriundas de outras unidades da federação que não mantém convênio e/ou protocolo de substituição tributária com o estado de São Paulo. Contudo, muitas vezes o produto adquirido pela MPE paulista está sujeito a substituição tributária internamente no estado de São Paulo, e aí entra a antecipação da substituição tributária do ICMS, que exige dos contribuintes paulistas a observância dessa obrigatoriedade e o respectivo recolhimento do ICMS-ST antecipado no momento da entrada da mercadoria no território paulista. Assim, o recolhimento do ICMS-ST antecipado quita esse tributo em todas as operações subsequentes relacionada ao produto sujeito a substituição tributária. Porém, em alguns casos, o produto que teve a incidência do ICMS-ST antecipado quando da sua aquisição pode ser vendido para outra unidade da federação que não mantém acordo com São Paulo em relação a substituição tributária, exigindo do remetente o destaque e apuração do ICMS normal, ocasionando um novo pagamento desse tributo.
Para solucionar e eliminar essa dupla tributação, a legislação paulista permite que se recorra àPortaria CAT 17/99, pois, através dos requisitos exigidos por essa norma, é possível o ressarcimento do ICMS-ST antecipado pago indevidamente. No entanto, as minúcias, a complexidade, a burocracia, e a morosidade a ser enfrentada durante o processo determinado pela referida portaria é um pesadelo, e impõe às MPE's optantes pelo Simples Nacional uma "missão quase impossível" de reaver o tributo estadual. Só para ter uma ideia, esse mecanismo de ressarcimento é temido até pelas médias e grandes empresas que, "em tese", possuem controles internos mais ricos e detalhados e que supostamente teriam todos os elementos para cumprir a referida portaria.
Diferencial de alíquota do ICMS
Com o pretexto de proteger os seus contribuintes, e, sobretudo, a respectiva arrecadação, a imensa maioria dos estados brasileiros exige das empresas optantes pelo Simples Nacional o diferencial de alíquota do ICMS quando estas adquirem mercadorias oriundas de outras unidades da federação. Essa forma de tributação consiste na cobrança da diferença entre a alíquota interna de ICMS exigido pelo ente federativo de destino e a alíquota aplicada na operação interestadual quando esta for menor, cujo recolhimento é efetuado de forma isolada.
Nas empresas não optantes do Simples Nacional o referido diferencial de alíquota é mais brando, pois somente é exigido nas aquisições interestaduais de produtos destinados ao seu ativo imobilizado, e/ou de materiais de uso e consumo, ou seja, as compras de matérias primas e mercadorias estão fora do alcance desse tributo antecipado.
Contudo, as Micro e Pequenas Empresas optantes do Simples Nacional não tem o mesmo abrandamento dispensado às demais pessoa jurídicas, muito pelo contrário, pois a maioria das unidades da federação faz com que os seus contribuintes do Simples Nacional amarguem o recolhimento desse indigesto tributo antecipado, e ainda exigem novamente este imposto estadual na operação de venda, quando o produto não estiver sujeito a substituição tributária, prejudicando a sua competitividade e o seu fluxo de caixa. Muitas vezes as pequenas empresas descobrem interessantes oportunidades de negócios na revenda de produtos não sujeitos a substituição tributária oriundos de outros estados, mas com o ônus do diferencial de alíquota do ICMS na compra, acrescido do ICMS incidente sobre a venda, a transação acaba sendo inviabilizada, e a lucratividade totalmente comprometida.
Para elucidar de forma prática o ônus tributário sofrido pelas empresas do Simples Nacional, desenhamos um cenário muito comum, considerando como premissa a aquisição de mercadoria oriunda de outra unidade da federação por uma empresa paulista cuja alíquota interestadual foi de 12%, margem bruta de lucro é de 25%, e a alíquota interna do ICMS de 18%:
Assim, aplicando os referidos cálculos numa empresa optante do Simples Nacional que se encontra na última faixa da tabela, cuja fatia do ICMS é de 3,95%, e noutra, não optante desse regime, inferimos que o custo efetivo do ICMS na pessoa jurídica do Simples Nacional é de 8,75%, contra 8,40% nas demais empresas enquadradas no regime periódico de apuração (RPA), o que é uma aberração, pois, além de anular a vantagem tributária a que as empresas do Simples Nacional deveriam ter direito, a exigência acaba onerando o lado com menor poder de barganha do empreendedorismo.
É importante ressaltar que felizmente o estado de São Paulo inseriu na sua legislação o § 8º, XV-A, doArt. 115, do RICMS/SPque determina que a alíquota interestadual do ICMS a ser considerada para as empresas do Simples Nacional sempre será de 12% para fins de cálculo do diferencial de alíquota, independentemente do percentual destacado no documento fiscal emitido por fornecedor sediado em outra unidade da federação, o que torna a situação menos ruim para as empresas paulistas do Simples Nacional. Contudo, o estado de São Paulo ainda não se manifestou sobre aplicabilidade dessa regra nas operações interestaduais com produtos importados contemplados naResolução do Senado Federal 13/2012que determina a incidência da alíquota de ICMS de 4%, o que provoca nas empresas do Simples Nacional grande insegurança jurídica na apuração dos seus tributos.
A legislação do ICMS de muitos estados brasileiros aplica o diferencial de alíquota aos optantes do Simples Nacional considerando rigorosamente a alíquota destacada no documento fiscal de entrada que acoberta a operação interestadual, de modo que o optante do Simples Nacional, além de se deparar com a situação desfavorável já mencionada, também será prejudicado nas operações de aquisições de mercadorias oriundas de outros estados com alíquota interestadual de 4% e 7%. Assim, se valendo das mesmas premissas utilizadas no exemplo anterior que considerou a alíquota interestadual de 12%, nestes casos também constatamos que as empresas do Simples Nacional amargariam um ICMS efetivo maior que as demais empresas. Os cálculos demonstraram que nesses casos a pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional teria um ICMS efetivo de 15,15% e 12,75%, contra 14,80% e 12,40% respectivamente nas demais empresas enquadradas no regime periódico de apuração (RPA), o que seria mais uma anomalia tributária em detrimento aos optantes do simples nacional, conforme demonstramos:
Considerações finais
Na defesa de seus interesses arrecadatórios, os estados brasileiros certamente vislumbraram na substituição tributária e no diferencial de alíquota um extraordinário instrumento de controle dos seus contribuintes conjugado com a alavancagem e preservação dos seus tributos. A eficácia desse mecanismo, aliada ao uso da tecnologia no combate a sonegação, é refletida na arrecadação do ICMS no estado de São Paulo que de 2006 a 2011 aumentou 115,70% em termos reais, já descontando a inflação apurada pelo IPCA do período. Contudo, algo precisa ser feito em favor das Micros e Pequenas Empresas optantes pelo Simples Nacional com o objetivo de desonerar essas empresas desses dois perversos tributos estaduais, de forma que se estabeleça um ambiente de negócios favorável as empresas menores, até porque são elas responsáveis por 52% dos empregos formais no país, segundo estudo do SEBRAE em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP). Também é importante ressaltar que a carga tributária e a complexidade da legislação também contribuem para alta taxa de mortalidade precoce das MPE's, que até vem diminuindo nos últimos anos, mas ainda é preocupante.
Incentivar as micro e pequenas empresas brasileiras com desonerações tributárias estaduais certamente também beneficiará o desenvolvimento da própria unidade da federação onde estas estão sediadas. Nesse sentido, felizmente temos acompanhado algumas ações isoladas, como a do estado de Santa Catarina, que apesar de não ser a solução ideal, concedeu às MPE's uma importante redução de 70% nas margens de valor agregado (MVA) utilizadas no cálculo da substituição tributária de diversos produtos, o que certamente aliviou e deu algum oxigênio adicional aos negócios dessas empresas. Portanto, entendemos que estimular as MPE's com benefícios fiscais não deve ser encarado como uma benesse concedida pelo governo, mas como um dever constitucional que o ente tributante tem para com essas empresas, e que seguramente repercutirá não só no desenvolvimento das Micros e Pequenas Empresas optantes pelo Simples Nacional, bem como no progresso dos municípios, estados e da união.
Elaborado em 02/2013
Wilson Gimenez Junior - Fundador e Sócio/Diretor-Executivo da Datamétodo Gestão Contábil SS LTDA. Contador. Administrador de Empresas. Pós-graduado em Controladoria. Articulista e Palestrante.
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